sexta-feira, 19 de março de 2010

Encontro com o verdadeiro professor

Caminhou a passos lentos, porém firmes. Largou a tulipa de cerveja sobre a mesa e cumprimentou o entrevistador. O auditório abafado e tomado pela platéia acompanhava cada movimento que fazia. Tirou o casaco e acomodou-se na poltrona. Provou um gole ao que o Professor indica o que ele tomava:

- É a Coruja, cerveja artesanal. Ele que pediu.

Mino Carta sorriu e aprovou o sabor encorpado da bebida.

Encorpado: eis um adjetivo que resume o perfil de um dos mais respeitados e experientes jornalistas brasileiros. O mais lúcido, com certeza.

Os primeiros gestos, articulados e calejados pela experiência apresentam um genovês convicto, de personalidade forte. Mas suas palavras são sutis e ácidas e rompem as mentes dos que o escutam.

Ruy Ostermann sabia que seria um desafio dar a palavra ao mais contundente crítico da grande mídia brasileira nas últimas duas décadas. O Professor deixou a conversa rolar, no entanto, sem instigar o velho Mino. Até porque as declarações contornadas da mais refinada ironia saiam naturalmente:

- Os editoriais do Estadão são a maior obra-prima do humor brasileiro.

Risos na platéia.

- A mídia nativa é hipócrita. Apregoa ser isenta, quando não é. Precisamos assumir um lado. A Carta Capital assumiu.

Debochou de forma implacável da Rede Globo:

- Eles (famiglia* Marinho) investiram tudo apostando na reeleição comprada de FHC. No quarto dia do segundo mandato o príncipe dos sociólogos desvaloriza o Real e quase quebra a Globo!

Gargalhadas na platéia.

Discorreu ainda sobre governo Lula. Considerou os avanços, criticou o Bolsa-Família (para minha surpresa!) e lembrou que a desigualdade social ainda é a raiz de todos os problemas:

- A liberdade é muito pouco. Igualdade é muito mais, e uma sem a outra não é nada.

Elogiou a política externa e afirmou convicto a eleição de Dilma:

- Em 2001 o sentimento era de mudança, o povo estava insatisfeito. Mas agora o pobre tem dinheiro, consome como nunca. Por que vai querer mudar?

Mais alguns goles de Coruja e mais uma prova da vitalidade de Mino: ele acomoda-se na poltrona sentando sobre uma das pernas dobradas sobre a cadeira. Aqueles cabelos brancos, o garbo e elegância daquele sujeito, todas as histórias envolvendo os personagens políticos mais importantes das últimas quatro décadas me levaram a mais óbvia constatação. Romântica, bem verdade, mas nem por isso falsa:

Jornalismo é um dia após o outro. Cada dia uma nova história e uma nova experiência. O criador das três maiores revistas brasileiras da atualidade finaliza:

- Fiz uma escolha de vida e sou responsável por ela. Tive oportunidades? Claro que tive. Mas será que não as tive como resultado de minhas escolhas? Quando comecei pensei: Quero ser um jornalista de verdade.

Meu sentimento sobre o encontro?

É bom ter certeza que se está no caminho certo.

Atônitos após o encontro, brindamos à Mino. Bebendo Coruja, é claro.

Foto: StudioClio

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