sexta-feira, 9 de julho de 2010

A natureza de um insatisfeito

Alguns seres humanos são movidos pela insatisfação.

Dificilmente contentam-se com o status quo e diuturnamente buscam a mudança.

Tão logo se estafam de uma condição de vida, passam a conjecturar possibilidades de inverter a lógica existencial: emprego, relacionamentos, objetivos.

Traçar metas, novos planos, outros vôos: para essa categoria o céu não é o limite.

O tempo de gozar o prazer de uma conquista é efêmero.

Um objetivo maior sempre está no horizonte.

Apaixonam-se perdidamente.

Vivem esse amor com a intensidade de um mar revolto.

Afogam-se no prazer de compartilhar e descobrir-se mutuamente.

Mas a fugacidade é imperativa.

A necessidade de um novo recomeço atordoa essa alma inconstante.

A rotina sufoca, maltrata.

A previsibilidade é um veneno que aos poucos mata o ímpeto e espontaneidade.

O improviso e o desafio seduzem.

O risco do inédito é o que nos move.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Folha de Papel

Misericordiosa folha de papel.

Tudo aceita, obsequiosamente silenciosa, passivamente leal.

Companheira das horas eufóricas, melancólicas e alcoólicas.

Folha amiga: permita que eu derrame toda a incompreensão dos meus questionamentos.

Ávida, pura: uma folha em branco é uma bolha prestes a aprisionar um sentimento.

Borrada pelas letras, fonemas e sílabas, me ajuda a dar sentido aos contornos da alma

em forma de palavras.

Fiel folha de papel: uma amiga eterna dos seres que gritam silenciosos pelo mundo.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Crônica - A noite e seus truques

A porta está entreaberta. Aproximo-me e ouço sussurros e gemidos. Um pouco mais próximo, vejo o vulto de um casal sobre a cama. Ela está montada por cima, levemente inclinada. O suficiente para que seus fartos seios encubram o rosto do homem que transa com ela. Ao fundo, outro homem. Ele está vestido, de pernas cruzadas e fumando um cigarro. Ao lado dele, uma mesa com três copos de cerveja. O observador é na verdade o marido da mulher que participa do ato.


Estou em uma casa de swing.


O ambiente é simples. No primeiro andar, uma ampla sala com diversas mesas dispostas próximas as paredes. No meio do salão, barras para dançarinas executarem suas habilidades no pole dance. Ao fundo, um chuveiro de espuma. Uma mulher solitária vestida com uma camiseta branca encharcada e colada ao corpo dança sob olhares dispersos de uma dúzia de freqüentadores. É possível ver apenas a silhueta de suas curvas e o desenho dos mamilos arrepiados pelo frio.


No segundo andar, um corredor estreito é formado por finas paredes de maderite, que servem de divisórias para mais de uma dúzia de pequenos quartos. Em cada um, camas caprichosamente forradas com lençóis brancos. Um cartaz alerta os voyeurs: ‘proibido fotos e filmagens neste ambiente’.


A folclórica luz vermelha não existe. Aqui a luz negra é que quebra a penumbra dos ambientes. E nada de música sertaneja em volumes insuportáveis. A sonorização é tecno, mas é possível conversar tranquilamente. “Quem vem pra cá ta a fim de curtir algo diferente, sair da rotina”, me explica P.R., 29 anos, meu guia nesta noite de quarta-feira pelas ruas da zona norte de Porto Alegre.


Durante a semana ele é motorista. As sextas e sábados atua como go-go boy em despedidas de solteira. Em outros momentos, veste a profissão de michê. “Mas isso não é vida. Faço porque adoro sexo e estou com saúde para dar e vender”, explica.


A entrada na boate custa 80 reais e dá direito ao freqüentador fazer tudo que quiser, desde que de comum acordo com os outros freqüentadores. “É tudo liberado, vai da química entre o pessoal”. Nas noites de grande movimento, o local se parece com a Roma Antiga. Homens e mulheres seminus transitam entre os pequenos quartos e trocam de casais e parceiros, sem qualquer preconceito. “Quem vem pra cá, sabe o que quer, sabe o que vai encontrar, então, a idéia é curtir”.


A filha do proprietário é quem administra o ambiente. Questiono se ela não se sente constrangida “É um trabalho honesto como outro qualquer. Tratamos todos com respeito e também sou tratada assim”. P.R. complementa “esse é um ambiente tão comum como qualquer outro. A gente senta, conversa, e se rola um interesse, o casal convida para participar de uma orgia”, conta com a mesma calma de quem explica uma receita de bolo.


Não há um perfil específico dos freqüentadores: casados, solteiros, pessoas de diversas classes sociais com idades entre 25 e 45 anos. Todos atrás de diversão “A noite é um truque”, diz P.R. “Meu único vício é o sexo. Não bebo e não uso drogas. Mas quando saio pra noite, não durmo sozinho, muito pelo contrário”.


Na saída, mais uma cena inusitada. Percebo que algumas pessoas no salão olham para cima. Me viro e enxergo um mezanino totalmente envidraçado, que abriga uma cama de casal. Lá, um trio exibicionista transa sem se importar com os observadores que estão logo abaixo. Nem imagino quem é o convidado e quem é o casal. Mas todos parecem muito felizes. E compenetrados na atividade.

Cores